domingo, 12 de junho de 2011

"Ressuscitou ao terceiro dia"

"E um sonho de menino é maior que de gente grande, porque fica mais próximo da realidade." 
E o que se fez do menino? Nasceu em berço frágil, mas logo transposto à cama de motel que, uns vinte anos mais tarde, por teste, alocavam umas 9 pessoas. Sonhava em ser pedreiro, só não queria retirar os sapos da piscina do seu reino de menino. Chorava olhando pelo basculante da rouparia os amigos efêmeros que iam embora pra capital do horizonte belo. Às vezes embirrava, pois todo menino faz isso. Pedia atenção como quem mendiga e torce o pescoço com cara de dó. Nunca entendia direito - como aliás, não entende hoje - as coisas dessa vida. Cantava num microfone azul com guizo. Imitava a Angélica e queria ser famoso na Argentina. Depois, ator. Depois músico. Nada foi feito e assim se firmou até os dias de hoje. Um verdadeiro filho de Oxóssi que não sabe tomar as decisões mais sérias e por isso, fica sempre estacionado. E o pior: sabe que milagres não acontecem. Mas sabe da maravilha que é não ter confidentes, exceto si próprio. Pra quê compartilhar segredos e diálogos íntimos com a próxima esquina? Eis o prazer da vida: ser solitário em meio à multidão ensandecida da vida alheia. Cresceu, mudou-se e principalmente por isso, faz-se e constrói-se o homem que é e que vai ser. Ama. Às vezes escondido, às vezes até demais perceptível. Se afasta sempre que possível e se senta próximo à porta pra ser o primeiro a correr - como corre de algumas coisas infugíveis da vida. Não faz questão de muitas coisas e um abraço pra quem não entende. Escreve pra quase ninguém ler. Fuma e bebe, bem menos que antes. Continua rindo internamente, quase que em humor negro, das desgraças que lhe chegam. Faz drama por alguns humores. E o que foi feito dos sonhos de menino? 
"O mundo de um menino solitário é todo dos seus desejos. Tudo eu queria ter nesses meus retiros: o tesouro da história de Trancoso, o cavalinho de sela, aquela vara mágica das fadas, que virava em tudo que a gente quisesse. [...] Sentia um prazer sem limites quando me caía um canário no alçapão." 
Esses trechos são do "Meninos de Engenho" de José Lins do Rego e é um dos motivos pra eu, nesse momento, ressuscitar o El Trago. 
E os canários quando caem no alçapão ainda são a minha maior fonte de prazer. 

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